sábado, 25 de fevereiro de 2012

A tragédia, tal como a epopeia, mesmo sem nenhum movimento, produz o seu efeito próprio; tem todas as componentes da epopeia e ainda tem a música; tem vivacidade tanto na leitura como nas representações e ainda realiza o objectivo da imitação numa extensão menor. Por tudo isto, Aristóteles apresenta a tragédia como algo evidentemente superior, uma vez que atinge o seu objectivo melhor do que a epopeia.
É preciso que a epopeia tenha as mesmas espécies que a tragédia (simples ou complexa, de carácter ou de sofrimento) e também as mesmas partes, menos a música e o espectáculo. Deve ter igualmente peripécias reconhecimentos e cenas de sofrimento e ainda beleza de pensamento e de elocução.
A epopeia difere da tragédia na extensão da composição e do metro. O limite da extensão deve abranger o princípio e o fim.

EPOPEIA
TRAGÉDIA
Por ser uma narração, é possível apresentar muitas acções realizadas simultaneamente, através das quais se aumenta a elevação do poema.
Não é possível imitar muitas partes da acção que se desenrolam ao mesmo tempo, mas apenas a parte representada em cena pelos actores.

O metro heróico é o mais importante e o mais elevado dos metros. Já os trímetros iâmbicos (usados em danças) e os tetrâmetros trocaicos (para a acção) são os mais movimentados.
Nas tragédias deve-se criar o maravilhoso, mas na epopeia é mais possível o irracional, principal fonte do maravilhoso, já que não se está a ver quem pratica a acção.
Deve preferir-se o impossível verosímil ao possível inverosímil; não devem compor-se enredos com partes irracionais mas, pelo contrário, não devem ter absolutamente nada de irracional.
A elocução deve ser trabalhada nas partes estáticas e que não têm nem caracteres nem pensamento. Em contrapartida, a elocução demasiado brilhante ensombra os caracteres e o pensamento.
No que respeita à imitação através da narração e em verso é necessário, como nas tragédias, construir enredos dramáticos e em volta de uma acção única e completa que tenha princípio, meio e fim.
A principal qualidade da elocução é ser clara, mas não banal. É excelente e evita a vulgaridade aquela que usa palavras estranhas (palavras raras, metáforas ou palavras alongadas). Contudo devem ser usadas sem excessos uma vez que a palavra corrente, junto com as estranhas, dá clareza.
Para a clareza e não-banalidade da elocução contribuem também, em grande parte, os alongamentos, as abreviações e as alterações das palavras. Assim, por ter alguma coisa fora do habitual e se afastar do que é costume, não se tornará banal mas, porque também partilha do que é usado, manterá a clareza.
Usar ostensivamente palavras estranhas é ridículo: é necessária uma medida modesta; contudo, substituindo apenas uma palavra (uma palavra rara em vez de uma usada habitualmente) um verso pode parecer belo ou banal.
É importante aplicar convenientemente cada um dos modos de expressão mencionados, tanto as palavras compostas como as palavras raras e ser, acima de tudo, bom nas metáforas; isso é sinal de talento.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A palavra pode ser uma de duas espécies: simples (aquela que não é formada de partes significativas) ou composta (constituída por uma parte com significado e outra sem significado ou por partes com significado). A palavra pode ser constituída por três, quatro ou mais partes.
Toda a palavra é ou corrente, ou rara, ou metáfora, ou ornamento, ou inventada, ou alongada ou abreviada ou modificada. A palavra corrente é aquela que todos nós usamos e a palavra rara é aquela que usam outros povos; assim, uma mesma palavra pode ser rara e corrente, mas não para os mesmos. A metáfora é a transferência de uma palavra que pertence a outra coisa. A palavra inventada é aquela que, não sendo, em geral, usada por ninguém, é estabelecida pelo próprio poeta. A palavra é alongada se emprega uma vogal mais longa do que a que lhe é própria ou uma sílaba intercalada. A palavra é abreviada se omitiu alguma coisa. Finalmente, a é palavra modificada quando, daquela que se usa, se conserva uma parte e se acrescenta outra.
Em relação aos nomes estes podem ser masculinos, intermédios ou femininos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Agora em relação aos elementos que compõe o texto da tragédia. Estes são variados: temos portanto a elocução, o fonema, a articulação, a sílaba, a flexão, a conjunção, o nome, o verbo e a frase. Procederei, portanto, à definição de cada um.
Entende-se por fonema o som indivisível em que se pode fazer um som compósito. O fonema pode ser de três espécies: vogal (aquele fonema que tem um som audível sem contacto com a língua com as várias partes da boca, ex.: A, O...), espirante (aquele que tem um som audível através desse contacto, ex.: S, R...) e oclusiva (fonema que, com esse contacto, não tem nenhum som, mas que se torna audível juntado-se a alguns dos que têm algum som, ex.: G, D...). Todas estas espécies se diferenciam pela forma da boca, pelos pontos de articulação, por serem aspirados ou não aspirados, longos ou breves ou ainda agudos, graves ou intermédios.
Entende-se por sílaba o som sem significado, composto de um fonema sendo junto com outro sonoro (ex.: GRA).
A conjunção é um som sem significado que nem impede nem produz um som significativo único a partir da junção de vários sons e que pode colocar-se tanto nos extremos como no meio da frase, nunca devendo figurar sozinho no seu início (ex.: LOGO, POIS, E, SEJA...).
O articulador é o som desprovido de significado que indica o princípio, o fim ou a divisão de uma frase (ex.: ALÉM DISSO, ASSIM COMO, POR OUTRO LADO...).
Entende-se por nome o som composto, significativo, sem ideia de tempo e de que nenhuma parte é significativa.
O verbo é um som composto, significativo, com ideia de tempo, do qual nenhuma parte tem significado.
A flexão é própria do nome ou do verbo e transmite ideias como 'deste' ou 'para este' e outras semelhantes.
Finalmente, a frase é um som composto, significativo, do qual algumas partes têm algum significado.
O pensamento é tudo o que pode ser expresso pela palavra; demonstrar, refutar, despertar emoções; engrandecer ou minimizar.
As acções devem conseguir efeitos de compaixão, temor, grandiosidade ou verosimilhança sem recorrer a explicação verbal.
A tragédia terá que ter um nó e um desenlace, sendo que é necessário harmonizar ambos; os factos exteriores à acção formam o nó e o resto é o desenlace. Assim, entende-se por nó o que vai desde o princípio até ao momento imediatamente antes da mudança para a felicidade ou para a infelicidade; já o desenlace é o que vai desde o início desta mudança até ao fim.
Encontramos, pelo menos, quatro espécies de tragédias: a tragédia complexa (em que tudo é peripécia e reconhecimento), a tragédia de sofrimento, a tragédia de carácter e a tragédia espectacular. Em todas o coro deve ser considerado como um dos actores e participar na acção como em Sófocles e ao contrário de Eurípides.
Devem estruturar-se os enredos e completá-los com a elocução; o poeta deve também completar os enredos com gestos, visto que os poetas mais convincentes são os que sentem as emoções. O poeta também deve esboçar em geral os enredos, quer os tradicionais quer os que ele próprio inventa e só depois então introduzir episódios (curtos nos dramas, enquanto a epopeia é alongada por eles) e desenvolver.
Há várias formas de se dar o reconhecimento. Um é através de sinais, contudo revela falta de arte e engenho. Pode dar-se também através da recordação. Podem também ser forjados pelo poeta, mas estes serão sem arte. Temos também reconhecimento através de um raciocínio e este fica em segundo lugar. Contudo, o melhor de todos os reconhecimentos é o que decorre dos próprios acontecimentos, quando o espantoso surge de factos verosímeis.
Há quatro aspectos a ter em vista nos caracteres. O primeiro é que os caracteres sejam bons; o segundo, é que os caracteres sejam apropriados; o terceiro diz-nos que os caracteres devem ter semelhanças connosco; finalmente, o quarto chama a atenção à necessidade de haver coerência do carácter. No final, o objectivo é um só: numa tragédia devem figurar homens melhores que nós pois o poeta, quando imita homens com defeitos, deve representá-los como são e, ao mesmo tempo, como homens admiráveis.
O temor e a compaixão podem ser despertados pelo espectáculo e também pela própria estruturação dos acontecimentos. Esta preocupação é própria de um poeta superior, uma vez que o enredo é tecido de tal maneira que quem ouvir a sequência dos acontecimentos, mesmo sem ver, pode sentir assombro. O contrário é próprio de um poeta menor (dependente da encenação).

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A composição da tragédia perfeita não deve ser simples e sim complexa e a mesma deve imitar factos que causem temor e/ou compaixão, sendo que a compaixão tem por objecto quem não merece a desdita e o temor visa os que se assemelham a nós. Não se devem representar, portanto, os homens bons a passar da felicidade para a infelicidade, pois tal mudança suscita repulsa e não temor nem piedade; nem os maus a passar da infelicidade para a felicidade, porque uma tal situação é de todas a mais contrária ao trágico e não provoca benevolência, compaixão ou temor; nem tão pouco os muito perversos a resvalar da fortuna para a desgraça, pois poderia despertar simpatia mas não a compaixão nem o temor.
Concluindo, um enredo bem elaborado deve ser simples e deve mudar da prosperidade para a desgraça. Por tudo isto Eurípedes é considerado o mais trágico dos poetas.
Já referimos as partes da tragédia enquanto obra de arte; também já referimos as partes do enredo. Falta então referir as partes técnicas da tragédia enquanto projecto. Assim, são elas cinco partes: o prólogo, o episódio, o êxodo, as lamentações (próprias de algumas tragédias) e a parte coral, que se subdivide em párodos e estásimos (comuns em todas as tragédias). Entende-se por prólogo a parte completa da tragédia que precede a entrada do coro. Um episódio é a parte completa da tragédia entre dois cantos completos do coro. O êxodo é a parte completa da tragédia depois da qual não há canto do coro. As lamentações são o canto plangente entoado em comum pelo coro e pela cena. Finalmente, entende-se por estásimo o canto do coro sem anapestos nem troqueus e por párodo a primeira intervenção do coro em conjunto.
Entende-se por peripécia uma mudança de acontecimentos para o seu reverso e por acontecimento uma passagem da ignorância para o reconhecimento, para a amizade ou para o ódio entre aqueles que estão destinados à felicidade ou à infelicidade. O reconhecimento e a peripécia aliados devem suscitar compaixão e temor. Assim, são três as partes do enredo: a peripécia, o sofrimento (acto destruidor ou doloroso) e o reconhecimento.
Os enredos podem ser de duas espécies: podem ser simples, se são coerentes e unos e em que a mudança de fortuna se produz sem peripécias nem reconhecimento, ou podem ainda ser complexos, se a mudança é acompanhada de reconhecimento ou peripécias ou ambas as coisas. Tanto o reconhecimento como as peripécias devem surgir da própria estrutura do enredo e resultar de acontecimentos anteriores.
A função do poeta não é contar o que aconteceu mas aquilo que poderia acontecer de acordo com o princípio da verosimilhança. O historiador e o poeta não diferem pelo facto de um escrever em prosa e o outro em verso; diferem é pelo facto de um relatar o que aconteceu e o outro o que poderia acontecer. Assim, a poesia expressa o universal e surge como algo filosófico e de carácter mais elevado que a História, que expressa o particular. Já na comédia os poetas estruturam o enredo atendendo ao princípio da verosimilhança e só depois atribuem, ao acaso, os nomes e não escrevem sobre determinadas pessoas. Finalmente na tragédia os poetas prendem-se a nomes reais. Concluindo, o poeta deve ser um construtor de enredos mais do que de versos, uma vez que é poeta devido à imitação e imita acções.
De entre os enredos simples, as acções episódicas (aquelas em que os episódios se desenrolam uns após outros sem uma sequência verosímil ou necessária) não as piores. Uma vez que imitação representa não só uma acção completa mas também factos que inspiram temor e compaixão, estes sentimentos são muito mais facilmente suscitados quando os factos se processam contra a nossa expectativa; a imitação será mais surpreendente do que se surgisse do acaso e da sorte, pois os factos acidentais causam mais admiração.
Se houver uma só personagem isso não implica unidade de enredo: numa só pessoa concentra-se uma infinidade de acontecimentos, alguns dos quais não se podem reduzir a uma unidade e também há muitas acções de uma só pessoa com as quais não se forma uma acção única.
O enredo, como é uma acção imitada, deve ser a imitação de uma acção una, que seja um todo e que as partes dos acontecimentos se estruturem de tal modo que, ao deslocar-se ou suprimir-se uma parte, o todo fique alterado ou desordenado; aquilo cuja presença ou ausência passa despercebida não é parte de um todo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O acontecimento é o primeiro e mais importante elemento da tragédia, que é a imitação de uma acção completa que forma um todo (ou seja, que tem princípio, meio e fim) e tem uma certa extensão. O princípio é aquilo que não sucede necessariamente a outra coisa mas depois do qual aparece naturalmente algo que existe ou virá a existir; o meio é aquilo que é antecedido por um e seguido pelo outro; finalmente o fim é aquilo que aparece depois de outra coisa e a que não se segue nada.
É necessário que os enredos bem estruturados não comecem nem acabem ao acaso, pois a beleza reside na dimensão e na ordem; em relação aos enredos será necessária uma dimensão determinada, fácil de recordar. O limite conveniente da extensão é que esta não seja tal que reúna a sequência dos acontecimentos, mudando da infelicidade para a felicidade e vice-versa.
A tragédia é a imitação de uma acção elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada (isto é, que tem ritmo e harmonia) que se serve da acção e não da narração. Esta imitação é realizada por pessoas que actuam. 
A tragédia tem pelo menos três partes: a organização do espectáculo, a música (de sentido absolutamente claro) e a elocução (combinação dos metros). A imitação, como disse, é realizada por pessoas que actuam, sendo que cada uma delas é diferente no carácter (qualidade) e no pensamento (opiniões). A imitação da acção entende-se por enredo, que é a estruturação dos acontecimentos. No total, portanto,  são seis as partes da tragédia: o enredo, o espectáculo, os caracteres, a música, a elocução e o pensamento.
A tragédia não é a imitação dos homens mas das acções e da vida; aliás, eles não actuam para imitar os caracteres mas os caracteres é que são abrangidos pelas acções. Por isso é que os acontecimentos e o enredo são o mais importante de tudo; não há tragédia sem acção, mas pode haver sem caracteres. Eis, portanto, a hierarquia das partes da tragédia, do mais para o menos importante:

1.º ENREDO
O princípio e a alma da tragédia.

2.º CARACTERES

3.º PENSAMENTO
Ser capaz de exprimir o que é possível e apropriado.

4.º ELOCUÇÃO
Comunicação do pensamento por meio de palavras; o seu valor é o mesmo em verso e em prosa.

5.º MÚSICA
Maior dos embelezamentos.

6.º ESPECTÁCULO
O mais desprovido de arte e o mais alheio à poética.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A comédia é a imitação de caracteres inferiores apenas no vício que é ridícula o que, contudo, não é um defeito ou deformação nem dolorosa nem destruidora. Quando a comédia ganhou uma forma definida é que os coregos deixaram de ser voluntários e os poetas cómicos começaram a ser lembrados. Assim, Crates foi o primeiro que tomou a iniciativa de compor histórias e enredos com um sentido geral.
A epopeia segue de perto a tragédia por ser também imitação, com palavras e ajuda de metro, de caracteres virtuosos; contudo, difere desta por ter um metro uniforme e por ser uma narrativa.

EPOPEIA
TRAGÉDIA
Imitação com palavras e metro.
Imitação com palavras e metro.
Metro uniforme/narrativa.
Metro livre.
Sem limite de tempo.
Dura uma só revolução do Sol.

Primitivamente procediam de igual modo nas tragédias e nas epopeias. Os elementos que fazem parte da epopeia encontram-se todos na tragédia, mas os elementos da tragédia não figuram todos na epopeia.
A poesia em geral tem duas causas naturais: uma que advoga que imitar é natural aos homens desde a infância e outra que afirma que todos sentem prazer nas imitações. Assim, dividiu-se de acordo com o carácter de cada um. Os homens nobres dedicaram-se à imitação de acções nobres e tornaram-se autores de versos heróicos e poetas trágicos; pelo contrário, os homens vulgares imitaram homens vis e tornaram-se autores de versos iâmbicos e poetas cómicos.
A tragédia evoluiu pouco a pouco e sofreu muitas alterações, estabilizando quando encontrou a sua natureza própria. Ésquilo usava um actor para dois papéis, diminuiu as partes do coro e fez com que a parte falada tivesse um papel predominante; já Sófocles aumentou o elenco para três actores, introduziu a cenografia e o metro passou de tetrâmetro a iâmbico.
Com os mesmos meios podem imitar-se os mesmos objectos, ora narrando (que pode ser mantendo a sua identidade ou tomando outra personalidade) ora representando todos em encenação. A imitação difere em três aspectos: nos meios, nos objectos e no modo.
Quem imita representa os homens em acção e é forçoso que estes sejam bons ou maus e melhores do que nós ou piores do que nós ou ainda tal e qual como somos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tanto a epopeia como a tragédia, a comédia, a poesia ditirâmbica e a maior parte da música de flauta e de cítara são imitações, apenas diferindo em três aspectos: umas imitam por meios diversos, outras com objectos diferentes e ainda outras que imitam de outro modo e não do mesmo. Há algumas artes que se servem de todos os meios: ritmo, melodia e metro, tal como a poesia dos ditirambos e a dos nomos e ainda a tragédia e a comédia. São diferentes porque umas aplicam-nos todos ao mesmo tempo e outras parcialmente.